Segunda-feira, 28 de Setembro de 2009

Máquina do Tempo (parte II)

Andava eu a desfazer-me do arquivo morto que acumulei ao longo dos anos numa garagem dos meus pais e eis que encontro a pasta com os meus trabalhos da Escola Primária (no meu tempo chamava-se assim).

 

A primeira letra que aprendi (oficialmente) foi o "i", depois de desenhar inúmeros "pauzinhos" e outros tantos "ganchos do homem do talho" (assim chamava a senhora professora aos sinais gráficos que nos foram preparando para a escrita). O "i" de "igreja":

 

 

O meu filho não fará nada disto porque hoje, as almofadas de picotar estão banidas. Por causa da SIDA, foi a justificação que nos deram no ano em que as baniram.

E repararam que a igreja da fotografia é um carimbo? Pois... aposto que o meu filho levará com uma imagem de um "clipart" ranhoso do Office...

 

Pouco depois a parte das matemáticas também dava os seus frutos, e aprendi (oficialmente) o número 6.

 

Não sei se dá para ver, mas a folha original não é uma fotocópia daquelas das máquinas que hoje são banais. Não... Isso era um luxo que conheceríamos depois, nos testes da 3ª classe, por cortesia da Junta de Freguesia que se encarregava de copiar os testes todos, das turmas todas, da meia dúzia de escolas pertencentes à freguesia. Não. Isto era uma espécie de monotipia, em que num tabuleiro de alumínio um pouco maior que o A4, cheio de uma pasta gelatinosa, se desenhava/escrevia a matriz e depois as cópias retiravam-se uma a uma por pressão.

 

Um dia, um a um, carimbámos a nossa mão numa folha A4. Tudo muito organizadinho que era para não haver chafurdices. Organização sim, mas os meus meninos hão-de poder chafurdar à vontade: há lá coisa que dê maior prazer aos miúdos que um pincel e um boião de tinta para pintarem e borrarem livremente?

 

 

Hoje vejo aquela mão pequenina e penso no Eduardo. Espero que ele nunca se sinta tão pequenino como eu me sentia: só, indefesa, insegura, ansiosa, sempre à espera de aprovação. E ainda hoje pago essa factura na farmácia.

 

Agora vejam bem a pinta de comboio que aqui a "je" desenhou:

 

 

Lá nos desenhos era eu boa...

Pronto, ok, todos os dias eu andava de comboio, pois frequentava a escola na freguesia dos meus avós e não na minha, como convinha dado que nunca andei no jardim-escola.  Mas eu não andava num comboio a vapor... Esse, devo tê-lo copiado de um livro ou dos desenhos animados...

 

E por falar em desenos giros, vejam o realismo da cena:

 

 

Julgo que não dará para ler aqui, mas o texto diz que os meninos da 4ª classe estão tristes porque o não sei quantos está hospitalizado, pois foi atropelado por uma motorizada. E perguntam vocês porque não desenhei o não sei quantos acamado, no hospital. Obviamente porque a imagem de um tipo com os dois joelhos todos rotos e uma mota em plano de fundo tem muito mais pinta!

 

Uma outra ilustração digna de menção é esta:

 

 

Estas quase garatujas ilustravam uma série de orações, aparentemente sem ligação entre si. Julgo que as palavras foram escolhidas "a dedo" para trabalhar qualquer coisa da nossa amada língua. E em que é que esta "piquena" se centrou  para ilustrar a coisa? (ilustrava tudo! Fazia o trabalho à pressa para a professora me deixar fazer desenhos) Numa simples frase como "na tua rua há um barco".

 

Pois com certeza! Onde há barco, há bandeirolas. E confetis e serpentinas. E porquê? Porque na televisão andava a dar "O Barco do Amor" (se quiserem a música do genérico, eu arranjo). E o início da série era sempre com o paquete a zarpar e um mundo de gente a despedir-se com as tais serpentinas e confetis.

 

E pelos vistos tinha muito tempo livre (para a minha professora, desenhar significa que já se fez todo o trabalho "a sério"), dado que até criei uma banda desenhada:

 

 

Agora que a reli, percebi que além de alguns termos que poderiam facilmente ser confundidos com racismo, a história não faz qualquer sentido. Mas pelo menos reflecte um das minhas muitas preocupações da altura: não ferir ninguém. E como tinha dois africanos na sala que por sinal eram meus bons amigos, lá devo ter achado que o preto bonzinho da história fazia justiça aos meus amigos. Se soubesse o que significa "politicamente correcto" ocupava mas era o meu tempo livre junto ao cesto dos papéis a afiar o lápis.

 

Por fim, encontrei isto:

 

 

E só por isto, já valeu a pena ter preservado a pasta ao longo das duas décadas e picos que me separaram dela.

 

Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2009

Do entretenimento infantil

O meu pai hoje deu-me isto para as mãos:

 

 

Foi o meu primeiro brinquedo, oferta dos meus tios quando nasci. Tenho algumas fotos em bébé agarrada a ele e sempre gostei deste farrusco.

Agora padece de duas feridas abertas que a minha mãe se prontificou a suturar e depois virá aqui para casa fazer companhia ao Eduardo.

 

Isto deu-me o mote para um post que estava na manga há já algum tempo: falar do entretenimento infantil.

 

Quando eu era pequena tudo nos servia de brincadeira: molas da roupa davam óptimas barreiras para pistas de automóveis. Uma colher de pau e uma panela formavam um belo instrumento de percussão. Um lençol que apanhássemos ao alcance era simultaneamente um vestido de noiva, uma tenda de campismo, uma capa de super-herói, a indumentária de um fantasma... Coisas simples do quotidiano estimulavam a nossa criatividade e o jogo simbólico sem que tivéssemos de recorrer a brinquedos caros, até porque os pais da maioria de nós não se podiam permitir a esses luxos. Na casa dos meus pais então, o dinheiro era contadinho para o mês. Nunca nos faltou nada do que é essencial, mas luxo era algo que desconhecíamos. Como qualquer criança tive brinquedos, bastantes até, mas nada comparado com o que vejo hoje em dia em casa de amigos e familiares. Tive uma Barbie, algum tempo depois de aparecerem em Portugal, que me substituíu a Tuxa. De repente a cabeça desta última pareceu-me exageradamente grande e deixou de ter piada perante a beleza da loiraça (que vá-se lá saber porquê também não tem uma cabeça proporcional ao corpo, mas desta vez mais pequena do que era suposto). Tive alguns bonecos em pvc (dos que hoje colecciono) e tive uma série de brinquedos comprados nas feiras, oferecidos, enfim...

Do mundo literário contei alguns livros infantis, uma colecção do Astérix e dos Cinco emprestada pelo João Manuel e mais tarde, quando apareceram, alguns volumes de "uma aventura" que comprava no hipermercado (que apareceu na mesma altura) quando fazíamos as compras do mês- esperar pelo dia das compras era um esforço inglório já que tinha direito a um livro por mês e que o devorava numa tarde...

Do mundo artístico, convenci a minha mãe a comprar-me um conjunto de lápis de cor que vinham numa lata. A caixa de lata era a minha perdição, pois apareceram também nessa altura e alguns colegas meus da primária tinham-nas. Eu que sempre gostara de desenhar ansiava por ter um objecto daqueles, cheio de lápis dispostos em degradé de cores, em vez da tradicional caixinha de cartão com 6... vá, 12 lápis de cor.

No meu 8º aniversário, eis que recebo a magnífica lata de 30 lápis aguareláveis da Caran d'Ache. A recomendação foi "quando arrumares as tuas coisas, certifica-te que os lápis estão lá todos, se nenhum menino arrumou algum no estojo por engano, e se nao deixaste nenhum debaixo da carteira da escola". Ainda tenho essa lata, pois os lápis são magníficos e compram-se avulso. Já tive de substituir alguns que entretanto se gastaram, mas posso orgulhar-me de dizer que me acompanharam todo o liceu, curso do Iade e até na ESE já brilharam...

Em relação à televisão, tínhamos um espaço diário de "bonecos animados". Eram giros, com músicas daquelas que ficam no ouvido e nada violentos, embora utilizassem o eterno conceito de bem e mal. Podíamos vê-los à vontade e cada dia ansiávamos pela "hora dos bonecos".

 

O que têm as nossas crianças hoje?

Os objectos do quotidiano continuam a fazer parte da sua preferência, mas apenas enquanto bébés pequenos, quando o seu espírito ainda não foi assediado pelos spots publicitários. A partir daí o rol de exigências no que toca à escolha/compra de brinquedos aumenta, chegando algumas crianças a tornarem-se em verdadeiros tiranos.

Quantos mais têm, mais querem. Se uma boneca hoje é moda, amanhã já outra a substituíu e a coisa agora não se limita a brinquedos no puro sentido. Há os ovinhos das "máquinas de moedas", os cromos dos pacotes de bolos e batatas fritas, as reproduções de brinquedos e merchandising dos heróis dos desenhos animados e até o material escolar entra neste carrocel.

Não querem ler nada. E nem que o governo se pinte consegue tornar bem sucedido o Plano Nacional de Leitura com o projecto "Ler+" a não ser a nível escolar. Mesmo assim julgo que surte efeito apenas no pré e no primeiro ciclo. A partir daí as publicações periódicas infanto-juvenis de qualidade (mais que muito) duvidosa assumem a liderança das preferências.

Não estimulam a sua criatividade. Preferem antes estimular os polegares aos comandos dos teclados de computador ou das consolas de jogos electrónicos.

Dos 6 canais temáticos de animação que a nossa televisão por cabo disponibiliza, não há um que se aproveite na íntegra. Começando pelo Baby que mais parece um atestado de estupidez passado aos nossos bébés (quem é que gosta de ficar a olhar para um móbile num ecrã de televisão?) e terminando no Disney que repôs os episódios da Floribela, salvam-se uma ou outra rubrica do Panda, da própria Disney ou do Boomerang (que mais parece um canal revivalista para os papás).

 

Em pouco mais de 30 anos o nosso país viu tantas mudanças, tendo-se permitido uma abertura ao exterior, até então apenas imaginada. E mesmo com toda a evolução tecnológica, com o aumento do poder de compra e consequentes alterações nos hábitos de consumo das famílias, não deixo de sentir que no campo do entretenimento infantil sofremos foi uma involução.

 

Como lia há uns tempos numa entrevista a um psicólogo, o melhor brinquedo que podemos dar a uma criança é um pau e uma bola.

 

Desejo agora que o meu quotidiano não me atrofie o discernimento para que saiba gerir esta questão no futuro, quando surgirem as necessidades de brincadeira do meu filho.

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