Andava eu a desfazer-me do arquivo morto que acumulei ao longo dos anos numa garagem dos meus pais e eis que encontro a pasta com os meus trabalhos da Escola Primária (no meu tempo chamava-se assim).
A primeira letra que aprendi (oficialmente) foi o "i", depois de desenhar inúmeros "pauzinhos" e outros tantos "ganchos do homem do talho" (assim chamava a senhora professora aos sinais gráficos que nos foram preparando para a escrita). O "i" de "igreja":
O meu filho não fará nada disto porque hoje, as almofadas de picotar estão banidas. Por causa da SIDA, foi a justificação que nos deram no ano em que as baniram.
E repararam que a igreja da fotografia é um carimbo? Pois... aposto que o meu filho levará com uma imagem de um "clipart" ranhoso do Office...
Pouco depois a parte das matemáticas também dava os seus frutos, e aprendi (oficialmente) o número 6.
Não sei se dá para ver, mas a folha original não é uma fotocópia daquelas das máquinas que hoje são banais. Não... Isso era um luxo que conheceríamos depois, nos testes da 3ª classe, por cortesia da Junta de Freguesia que se encarregava de copiar os testes todos, das turmas todas, da meia dúzia de escolas pertencentes à freguesia. Não. Isto era uma espécie de monotipia, em que num tabuleiro de alumínio um pouco maior que o A4, cheio de uma pasta gelatinosa, se desenhava/escrevia a matriz e depois as cópias retiravam-se uma a uma por pressão.
Um dia, um a um, carimbámos a nossa mão numa folha A4. Tudo muito organizadinho que era para não haver chafurdices. Organização sim, mas os meus meninos hão-de poder chafurdar à vontade: há lá coisa que dê maior prazer aos miúdos que um pincel e um boião de tinta para pintarem e borrarem livremente?
Hoje vejo aquela mão pequenina e penso no Eduardo. Espero que ele nunca se sinta tão pequenino como eu me sentia: só, indefesa, insegura, ansiosa, sempre à espera de aprovação. E ainda hoje pago essa factura na farmácia.
Agora vejam bem a pinta de comboio que aqui a "je" desenhou:
Lá nos desenhos era eu boa...
Pronto, ok, todos os dias eu andava de comboio, pois frequentava a escola na freguesia dos meus avós e não na minha, como convinha dado que nunca andei no jardim-escola. Mas eu não andava num comboio a vapor... Esse, devo tê-lo copiado de um livro ou dos desenhos animados...
E por falar em desenos giros, vejam o realismo da cena:
Julgo que não dará para ler aqui, mas o texto diz que os meninos da 4ª classe estão tristes porque o não sei quantos está hospitalizado, pois foi atropelado por uma motorizada. E perguntam vocês porque não desenhei o não sei quantos acamado, no hospital. Obviamente porque a imagem de um tipo com os dois joelhos todos rotos e uma mota em plano de fundo tem muito mais pinta!
Uma outra ilustração digna de menção é esta:
Estas quase garatujas ilustravam uma série de orações, aparentemente sem ligação entre si. Julgo que as palavras foram escolhidas "a dedo" para trabalhar qualquer coisa da nossa amada língua. E em que é que esta "piquena" se centrou para ilustrar a coisa? (ilustrava tudo! Fazia o trabalho à pressa para a professora me deixar fazer desenhos) Numa simples frase como "na tua rua há um barco".
Pois com certeza! Onde há barco, há bandeirolas. E confetis e serpentinas. E porquê? Porque na televisão andava a dar "O Barco do Amor" (se quiserem a música do genérico, eu arranjo). E o início da série era sempre com o paquete a zarpar e um mundo de gente a despedir-se com as tais serpentinas e confetis.
E pelos vistos tinha muito tempo livre (para a minha professora, desenhar significa que já se fez todo o trabalho "a sério"), dado que até criei uma banda desenhada:
Agora que a reli, percebi que além de alguns termos que poderiam facilmente ser confundidos com racismo, a história não faz qualquer sentido. Mas pelo menos reflecte um das minhas muitas preocupações da altura: não ferir ninguém. E como tinha dois africanos na sala que por sinal eram meus bons amigos, lá devo ter achado que o preto bonzinho da história fazia justiça aos meus amigos. Se soubesse o que significa "politicamente correcto" ocupava mas era o meu tempo livre junto ao cesto dos papéis a afiar o lápis.
Por fim, encontrei isto:
E só por isto, já valeu a pena ter preservado a pasta ao longo das duas décadas e picos que me separaram dela.
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